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Referência Galeria de Arte em Brasília
Galeno

Para conhecer Galeno

Em novembro de 2022, Francisco Galeno, ou simplesmente Galeno, volta a expor em Brasília depois de oito anos. Passado, presente e futuro fazem parte dos trabalhos que ocuparão os dois andares da Referência. Artista “arteiro”, artífice de uma trajetória que se move ao sabor de suas inquietações, Galeno apresenta uma produção pensada a partir de suas ancestralidades formadas por gerações de vaqueiros, coureiros, carpinteiros, rendeiras e costureiras e de como elas se manifestam em suas pinturas, objetos, esculturas, assemblagens.

O dramaturgo e escritor Benjamim Santos escreveu um ensaio poético sobre Galeno e sua genealogia. Nele, vemos as pistas que nos levam a entender sobre como o “culumim” de Ilha Grande, no Parnaíba, Piauí, tornou-se o artista, provocador, gaiato, encantador, Galeno.

Foto: Internet

Galeno e seus deuses artesanais

Benjamim Santos

– Corre aqui, acende essa lamparina que já tá escurim.

Sem luz nos Morros da Mariana, o menino ouvia isso toda de-noitinha. Daí a pouco, a mãe largava a almofada, que não dava mais pra enxergar os alfinetes, e a renda ficava pr’amanhã-bem-cedo. Aí ela pegava a colher de pau mode mexer a sopa enquanto o pai dependurava a rede de pesca, enrolava a linha com a agulha de madeira pra não embaraçar e o avô largava seus trens de cortar couro.

– Pai, tem um camaleão trepado no cajueiro.
– Larga ele de mão que ele sabe o que faz.
– Cadê o carretel de linha qu’eu deixei aqui?
– Tava aí agorinha encima dessa lata.
– Vai ver que o Francisco pegou pra fazer carrim e botar linha em papagaio. A mania desse culumim agora é puxar carrim, empinar papagaio e tomar banho de rio.

Mas ninguém via que, além de carrinho, papagaio e banho de rio, o culumim também reparava o jeito do pai torando madeira, fazendo canoa, consertando rede de pescar, a sabedoria do avô no trato do couro que virava arreio pra vaqueiro e a magia da mãe fazendo a finíssima linha branca virar renda.

Até que um dia esse mundo ficou pra trás.

Francisco ainda era entanguido quando se foram de muda pra Brasília, todo mundo feito candango, indo morar em acampamento, aquele poeirão, sem luz de noite, acendendo lamparina trazida dos Morros. Depois o menino já maiorzinho carregado pra Brazlândia, terminando de crescer junto com a cidade que já tomava jeito de cidade e junto com Brasília que já era mesmo a Nova Capital do Brasil.

Assim foi e passou-se o tempo. Francisco Galeno, homem feito naqueles universos de Brazlândia e Brasília, fazendo amigos nas noites do Beirute, agora criador de arte, buscando um novo jeito de arte brasileira, botando os quadros em exposição de galeria, ganhando prêmio nacional. Galeno se dando conta de que sua criação vinha daquele mundo antigo de lamparina de flandre, papagaio de papel de seda, carrinho de lata, colher de pau pra mexer sopa, renda de almofada e todo um monte de outras visagens nascendo na cabeça do artista, pintadas em tela de pano ou lascas de madeira como seu pai tempos outrora pintava canoa de pescar. Uma nova arte que olha para o mundo dos artesãos, esses deuses criadores da cultura popular que Galeno conhece na Parnaíba de hoje, onde montou ateliê, pertinho dos Morros. Deles, surgem esses novos “objetos”, expostos na Galeria Referência, ao lado das pinturas em que lamparinas e canoas esvoaçam por céus azuis ou amarelos como relógios de Chagall.

– “Minha arte é coisa que veio no sangue. Os artesãos são meus mestres. Eu compro as peças deles e uso do meu jeito. Assim também os escultores, a quem eu dou o desenho e eles fazem do jeito que eu desenhei.”

Dona Adelaide mora no João XXIII, em Parnaíba, senhora do flandre, das calhas, dos tampões nos telhados. ”Dona Adelaide me trazendo pássaros de flandre, pirulitos, flores, lamparinas que viram brincos, colares… me falando em linguagem estranha cheia de sabedoria, me ensinando a conversar através das cores, fazendo eu entender o pulsar das cores e da arte simples”.

– “Na Guarita, tem o fazedor de lamparinas. Compro muitas. O Albertinho faz canoa. Hélio da Pedra do Sal é meu escultor de barquinhos de madeira que depois eu trabalho em cima, Eu faço o desenho, dou a ele e ele vai fazer com que essa forma apareça. O Waldson, ourives da Rua Riachuelo, me faz tudo de prata que eu preciso pros meus objetos. Parnaíba tem um artesanato da melhor qualidade.”

– “Ribeiro e seu filho Toinho. O Edinho da Pedra do Sal, exemplar. Artesão da pesca e da arte de esculpir. Guilherme, escultor da Ilha. E tem Seu Quinca, história brilhante. Sem lhe pedir nada, me ensinou muito. Através dele e seus afazeres, conversávamos usando o silêncio.  Seu jeito abriu meus ouvidos e trouxe ruídos diferentes para os meus olhos.”

– “Pra mim, todos eles representam meu bisavô, meu avô, meu pai, minha mãe, preenchendo a minha necessidade de cultura popular, eu, um aprendiz de artesão. Artista, sim, mas antes de tudo, artesão.”

Visionário, vejo de tudo nas pinturas do Galeno e me delicio quando percebo que uma lamparina invertida torna-se um cálice sagrado sobre um altar ou dentro de um tabernáculo. E fica para os críticos, teóricos ou historiadores decidirem se a arte de Francisco Galeno é PopArt, Construtivismo, Arte Conceitual ou, simplesmente, um jeito galeno de ser.

Benjamim Santos,
escritor, dramaturgo, diretor de espetáculos.

Entrevista de Galeno ao canal Teofilo Piauizando

Veja também a entrevista que Galeno deu ao canal Teofilo Piauizando. Em três episódios, o artista comenta sobre sua vida no ateliê que montou em Ilha Grande e sua relação quase umbilical com a região e com os moradores e artesãos da região.

Galeno

Para conhecer Galeno

Em novembro de 2022, Francisco Galeno, ou simplesmente Galeno, volta a expor em Brasília depois de oito anos. Passado, presente e futuro fazem parte dos trabalhos que ocuparão os dois andares da Referência. Artista “arteiro”, artífice de uma trajetória que se move ao sabor de suas inquietações, Galeno apresenta uma produção pensada a partir de suas ancestralidades formadas por gerações de vaqueiros, coureiros, carpinteiros, rendeiras e costureiras e de como elas se manifestam em suas pinturas, objetos, esculturas, assemblagens.

O dramaturgo e escritor Benjamim Santos escreveu um ensaio poético sobre Galeno e sua genealogia. Nele, vemos as pistas que nos levam a entender sobre como o “culumim” de Ilha Grande, no Parnaíba, Piauí, tornou-se o artista, provocador, gaiato, encantador, Galeno.

Foto: Internet

Galeno e seus deuses artesanais

Benjamim Santos

– Corre aqui, acende essa lamparina que já tá escurim.

Sem luz nos Morros da Mariana, o menino ouvia isso toda de-noitinha. Daí a pouco, a mãe largava a almofada, que não dava mais pra enxergar os alfinetes, e a renda ficava pr’amanhã-bem-cedo. Aí ela pegava a colher de pau mode mexer a sopa enquanto o pai dependurava a rede de pesca, enrolava a linha com a agulha de madeira pra não embaraçar e o avô largava seus trens de cortar couro.

– Pai, tem um camaleão trepado no cajueiro.
– Larga ele de mão que ele sabe o que faz.
– Cadê o carretel de linha qu’eu deixei aqui?
– Tava aí agorinha encima dessa lata.
– Vai ver que o Francisco pegou pra fazer carrim e botar linha em papagaio. A mania desse culumim agora é puxar carrim, empinar papagaio e tomar banho de rio.

Mas ninguém via que, além de carrinho, papagaio e banho de rio, o culumim também reparava o jeito do pai torando madeira, fazendo canoa, consertando rede de pescar, a sabedoria do avô no trato do couro que virava arreio pra vaqueiro e a magia da mãe fazendo a finíssima linha branca virar renda.

Até que um dia esse mundo ficou pra trás.

Francisco ainda era entanguido quando se foram de muda pra Brasília, todo mundo feito candango, indo morar em acampamento, aquele poeirão, sem luz de noite, acendendo lamparina trazida dos Morros. Depois o menino já maiorzinho carregado pra Brazlândia, terminando de crescer junto com a cidade que já tomava jeito de cidade e junto com Brasília que já era mesmo a Nova Capital do Brasil.

Assim foi e passou-se o tempo. Francisco Galeno, homem feito naqueles universos de Brazlândia e Brasília, fazendo amigos nas noites do Beirute, agora criador de arte, buscando um novo jeito de arte brasileira, botando os quadros em exposição de galeria, ganhando prêmio nacional. Galeno se dando conta de que sua criação vinha daquele mundo antigo de lamparina de flandre, papagaio de papel de seda, carrinho de lata, colher de pau pra mexer sopa, renda de almofada e todo um monte de outras visagens nascendo na cabeça do artista, pintadas em tela de pano ou lascas de madeira como seu pai tempos outrora pintava canoa de pescar. Uma nova arte que olha para o mundo dos artesãos, esses deuses criadores da cultura popular que Galeno conhece na Parnaíba de hoje, onde montou ateliê, pertinho dos Morros. Deles, surgem esses novos “objetos”, expostos na Galeria Referência, ao lado das pinturas em que lamparinas e canoas esvoaçam por céus azuis ou amarelos como relógios de Chagall.

– “Minha arte é coisa que veio no sangue. Os artesãos são meus mestres. Eu compro as peças deles e uso do meu jeito. Assim também os escultores, a quem eu dou o desenho e eles fazem do jeito que eu desenhei.”

Dona Adelaide mora no João XXIII, em Parnaíba, senhora do flandre, das calhas, dos tampões nos telhados. ”Dona Adelaide me trazendo pássaros de flandre, pirulitos, flores, lamparinas que viram brincos, colares… me falando em linguagem estranha cheia de sabedoria, me ensinando a conversar através das cores, fazendo eu entender o pulsar das cores e da arte simples”.

– “Na Guarita, tem o fazedor de lamparinas. Compro muitas. O Albertinho faz canoa. Hélio da Pedra do Sal é meu escultor de barquinhos de madeira que depois eu trabalho em cima, Eu faço o desenho, dou a ele e ele vai fazer com que essa forma apareça. O Waldson, ourives da Rua Riachuelo, me faz tudo de prata que eu preciso pros meus objetos. Parnaíba tem um artesanato da melhor qualidade.”

– “Ribeiro e seu filho Toinho. O Edinho da Pedra do Sal, exemplar. Artesão da pesca e da arte de esculpir. Guilherme, escultor da Ilha. E tem Seu Quinca, história brilhante. Sem lhe pedir nada, me ensinou muito. Através dele e seus afazeres, conversávamos usando o silêncio.  Seu jeito abriu meus ouvidos e trouxe ruídos diferentes para os meus olhos.”

– “Pra mim, todos eles representam meu bisavô, meu avô, meu pai, minha mãe, preenchendo a minha necessidade de cultura popular, eu, um aprendiz de artesão. Artista, sim, mas antes de tudo, artesão.”

Visionário, vejo de tudo nas pinturas do Galeno e me delicio quando percebo que uma lamparina invertida torna-se um cálice sagrado sobre um altar ou dentro de um tabernáculo. E fica para os críticos, teóricos ou historiadores decidirem se a arte de Francisco Galeno é PopArt, Construtivismo, Arte Conceitual ou, simplesmente, um jeito galeno de ser.

Benjamim Santos,
escritor, dramaturgo, diretor de espetáculos.

Entrevista de Galeno ao canal Teofilo Piauizando

Veja também a entrevista que Galeno deu ao canal Teofilo Piauizando. Em três episódios, o artista comenta sobre sua vida no ateliê que montou em Ilha Grande e sua relação quase umbilical com a região e com os moradores e artesãos da região.

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Claudio Tozzi

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